Conheça os desafios e dia a dia dos negócios gerenciados em família

Entenda as vantagens e desafios deste tipo de gestão, muito comum no Brasil, e conheça os conselhos dos especialistas para que a convivência entre familiares e a transição de gerações sejam positivas

03/04/2017

Conheça os desafios e dia a dia dos negócios gerenciados em família

O Brasil é o terceiro no ranking mundial em porcentagem de empresas familiares. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 98% dos negócios são geridos em família. Assim como em todos os setores, no food service não é diferente. Dafna Kann, consultora e proprietária da Qualinut, diz que de 80 a 90% de seus clientes são empresas familiares. Porém, ainda de acordo com o IBGE, somente 30% dessas empresas passam para a segunda geração, e 15% para a terceira. O motivo é o mesmo que leva muitos estabelecimentos a não seguirem adiante: problemas de gestão. Só que neste caso o assunto ultrapassa a questão técnica. A influência da parte emocional, do excesso de intimidade e de divergências de opiniões coloca em risco a qualidade da administração do negócio.

“É muito difícil dirigir um negócio em família, pois é uma relação mais emotiva do que racional. As opiniões conflitantes, que ocorrem em qualquer sociedade, acabam sendo levadas para casa”, opina Ricardo Mesquita, sucessor da rede Sucão. Elidio Biazini, franqueador da rede de pizzarias delivery Dídio Pizza, divide a gestão do negócio com sua filha Camila. Para ele, é preciso ter uma definição muito clara para ambos de em que momento ser pai, filho e CEO. “Não permito o uso de ‘seu pai’ e ‘seu filho’ no ambiente corporativo. Por 15 anos sou ‘Biazini’ dentro da empresa, e fora, pai”. Ele diz que as emoções influenciam no dia a dia da empresa, mas problemas familiares jamais devem interferir nos negócios, e vice-versa. “As discussões da reunião no final do dia ficam na empresa”.

Encontro de gerações

A maioria dos fundadores montou seu negócio sem estudo, baseado em muita experiência de vida, tentativas, erros e acertos, ao longo de anos, e conhece a fundo a empresa que criou e desenvolveu. Já seus filhos não possuem a mesma vivência, mas trazem um conhecimento diferenciado, obtido na universidade, e ideias modernas do mundo atual . Para Dafna, mais do que conflitos, a diferença de duas gerações pode ser muito benéfica e seus conhecimentos se complementam. “Geralmente o negócio dá uma virada quando entra a 2ª ou 3ª geração, que vem com novas ideias, tendências e novos canais de comunicação, e conhece as mudanças de mercado, modernizando e adaptando a empresa. Temos um cliente de uma padaria em que os filhos, quando assumiram, reformaram o estabelecimento, incluíram outros serviços como de self-service e passaram a abrir 24 horas”, exemplifica.  

“Geralmente o negócio dá uma virada quando entra a 2ª ou 3ª geração, que vem com novas ideias, tendências e novos canais de comunicação, e conhece as mudanças de mercado, modernizando e adaptando a empresa”

Dafna Kann, consultora e proprietária da Qualinut

Entretanto, essa transição e novas implementações nem sempre acontece facilmente. “O fundador, que criou do zero a empresa, que é como um filho para ele, tem dificuldade de largar a gestão por completo. No começo os filhos enfrentam resistência, mas quando chegam com sugestões inovadores, geralmente, a aceitação é positiva. Os pais batalharam muito e sabem o valor do que construíram, então têm muita cautela para passar para frente, mas em geral o fundador quer ajudar os filhos a seguirem naquele negócio. Ele vai saindo aos poucos, passa a frequentar nos finais de semana, e vai largando lentamente a gestão até sentir confiança, um processo que leva anos. Os filhos precisam começar a participar da empresa muitos anos antes do fundador se aposentar, por 20 anos até essas gerações vão conviver. E a nova geração precisa passar por todas as áreas da empresa, como um trainee, para conhecê-la a fundo”, aconselha a consultora da Qualinut. 

As regras devem estar muito bem definidas e o empreendedor da primeira geração tem o papel de gerenciar conflitos, ser o guardião da empresa e saber a hora certa de fazer essa transição. “O fundador consegue sempre identificar o brilho nos olhos dos herdeiros e traz para o presente o que vivenciou no início do negócio”, define o empresário da Dídio Pizza. Seus herdeiros sempre estiveram presentes no negócio, desde de os seis anos de idade, mas na fase adulta, já graduados, seguiram outro rumo, buscando experiências até fora do país, porém, naturalmente, foram conquistando o mesmo amor à empresa dedicado pelo pai.

Resistência a mudanças

“Quando trabalhava com meu pai era um problema, ficava engessado porque eu não podia mexer em nada, não podia participar da gestão, ele não sentia confiança de delegar e dividir os problemas”, conta Ricardo Mesquita, que, após enfrentar bastante resistência do pai, dono da Sucão, uma marca forte em Campinas-SP há mais de 40 anos, às suas mudanças e só conseguir atuar na empresa da família como qualquer outro funcionário, decidiu seguir sua carreira de administrador no mercado, trabalhou por um ano em uma grande consultoria de gestão de resultados em São Paulo, onde aprendeu muito na prática e com os erros dos outros sobre as melhores estratégias de mercado.

“Quando trabalhava com meu pai era um problema, ficava engessado porque eu não podia mexer em nada, não podia participar da gestão, ele não sentia confiança de delegar e dividir os problemas”

Ricardo Mesquita, proprietário da Sucão

A experiência deu à Mesquita mais credibilidade perante o pai, que se mostrou aberto à sua ideia para resolver as discordâncias em relação ao negócio: abrir uma loja própria, mas com a marca do pai, que já tinha know how e era conhecida por todos na cidade. Para viabilizar o investimento, se uniu a dois sócios, amigos de infância. O administrador conquistou a liberdade que precisava para aplicar as alterações que considerava essenciais para o crescimento da marca. O primeiro passo foi ampliar o mix de produtos oferecidos para melhor atender a demanda de seus clientes. A principal iniciativa foi a entrada para o mercado de franquias, transformando a empresa do pai em uma rede com 12 unidades. “Mudei a identidade visual da marca, logotipo e layout da loja. Uma das mudanças mais importantes foi no cardápio, tirando ou incluindo produtos mais comerciais e que fossem aceitos em diversas praças, já vislumbrando um processo de expansão. Identifiquei o que seria multiplicável para o modelo ser replicado através do sistema de franquias”. 

“Em um primeiro momento, meu pai dava opinião, mas quando viu e aprovou as mudanças que implementei, passou a ter mais confiança. Agora em áreas diferentes, mesmo que na mesma empresa, a relação é muito mais tranquila”, diz Ricardo Mesquita. “No começo fui bastante resistente à ideia de mudar e expandir. Já estava satisfeito com o que tinha. Mas, aos poucos, meu filho foi me convencendo de que havia um potencial mal explorado, uma demanda reprimida. Passei a ouvi-lo mais e o tempo está mostrando que ele tinha razão”, conta o fundador da marca, Antônio Martins Mesquita.  

 

 

Independência e autonomia

Carlos Makdisse, herdeiro do Latife, rede de comida árabe fundada há 13 aos por sua mãe e sua tia a partir de receitas manuscritas de sua avó, também seguiu pelo mesmo caminho de Ricardo Mesquita. Começou trabalhando no departamento financeiro da empresa, em 2011. Estudou Publicidade e Propaganda, estagiou alguns meses no mercado e, quando formado, apesar de pensar em seguir carreira, acabou assumindo o marketing da empresa da família, onde implantou novidades, como o cartão fidelidade, mudanças na identidade visual da marca e participação nas redes sociais. Umas das grandes transformações foi a abertura da marca no sistema de franquias, proposta que inicialmente encontrou resistência no conservadorismo, principalmente de sua tia, o que o jovem empreendedor avalia como saudável para que exista cautela nas decisões. 

Apesar do relacionamento ser tranquilo, e outros membros da família atuarem na empresa, como seu irmão e sua prima, Carlos conquistou mais liberdade e autonomia para testar suas ideias abrindo uma unidade própria da marca no Shopping Eldorado, em São Paulo, inicialmente como franquia, que hoje funciona como loja modelo.  “Agora tenho mais liberdade e cada um no seu escritório tornou o trabalho mais prático. Na loja do Eldorado faço testes, tenho autonomia para testar e, se der certo, passo para as outras. Implantei, por exemplo, o delivery, única unidade da rede que tem o serviço, e está dando super certo. Coloquei também identificação, através de placas com cores específicas, de que o prato tem carne, a fim de facilitar para quem é vegano, o que foi implantado depois em toda franquia. Sempre uma ideia nova gera algum tipo de desconfiança, medo de inovar e mudar o que está dando certo. Tive que provar e mostrar que dá certo através dos resultados”, ressalta Makdisse. 

“Agora tenho mais liberdade. Na loja do Eldorado tenho autonomia para testar e, se der certo, passo para as outras. Sempre uma ideia nova gera algum tipo de desconfiança, medo de inovar e mudar o que está dando certo. Tive que provar e mostrar que dá certo através dos resultados”

Carlos Makdisse, proprietário da Latife

Gestão profissional 

“Um cargo nunca deve ser dado a alguém só porque é da família, precisa ter competência. Sempre tem que ter a pessoa mais competente possível na gestão, sendo da família ou não”, aconselha o consultor da Galunion. “Tem que separar o pessoal do profissional e mostrar coerência e responsabilidade. Um filho, por exemplo, não pode estar em um cargo por seu parentesco com o dono, mas sim pela competência profissional”, reafirma a consultora Dafna. Elídio Biazini acrescenta que, para o bem do negócio, “é preciso entender a necessidade de que poderão ter diretores no mesmo grau ou superior aos herdeiros”.  

A necessidade de contratar executivos de fora para importantes cargos de gestão ocorre em diversas situações, como em caso de grandes empresas com muitos descendentes, ou quando os herdeiros realmente não se entendem. “Sempre deve haver uma dinâmica de amor e admiração, a empresa tem que ser algo bom para a família, não um problema, se ela estiver atrapalhando as relações pessoais, o melhor é se afastar. Quando a dinâmica da empresa interfere negativamente na vida da família, e vice-versa, é hora de colocar uma gestão profissional. Essa é uma relação marcada pelo emocional, e uma passa para a outra. Uma consultoria especializada pode orientar famílias que não conseguiram fazer isso sozinhas”, define Castello. 

Dafna sugere que uma forma de evitar divergência de opiniões é dividir as áreas de gestão, como contabilidade, marketing, cozinha, e ter as responsabilidades muito bem definidas para que um não dê palpite na área do outro. “É preciso definir salários e metas específicas, ter tarefas e responsabilidades bem definidas, não todo mundo faz tudo”, destaca. “Às vezes acontece, ou por os herdeiros não conseguirem conviver e dividir uma mesma gestão, ou pelo próprio fundador se antecipar, o pai dividir e deixar cada filho com uma loja, por exemplo. Pode funcionar assim, mas o ideal é ter uma gestão única”, finaliza a especialista.

“É preciso entender a necessidade de que poderão ter diretores no mesmo grau ou superior aos herdeiros”

Elídio Biazini, franqueador da Dídio Pizza

Preparado para tomar decisões

Para o consultor da Galunion, alguns herdeiros não se prepararam adequadamente para assumir por completo a gestão de um negócio. “O ideal é compartilhar as responsabilidades e decisões. O herdeiro tem que acompanhar a gestão do fundador ao longo de anos. Quem fundou tinha senso de negócio e a habilidade de tomar decisões acertadas. Como os herdeiros não precisaram fazer isso, apesar de ter uma super formação acadêmica, não desenvolveram essa habilidade da mesma forma”, avalia. No entanto, essa habilidade pode ser adquirida com a vivência de tomar decisões cruciais para a empresa, inclusive arcando com as consequências de um possível erro. “O pai tem que colocar o filho em situações onde o erro e o acerto é dele, fazer simulações de vida ou morte para a empresa. Assim, o pai pode mostrar onde o filho errou ou acertou, pois este não pode chegar no topo sem essa intuição desenvolvida, que ele adquire com as experiências”, sugere Castello. 

“O ideal é compartilhar as responsabilidades e decisões. O herdeiro tem que acompanhar a gestão do fundador ao longo de anos. O pai tem que colocar o filho em situações onde o erro e o acerto é dele, fazer simulações de vida ou morte para a empresa, pois este não pode chegar no topo sem essa intuição desenvolvida”

Daniel Castello, sócio da consultoria Galunion

 

 

 

 

 

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