Profissão chef corporativo

Uma carreira abraçada por muitos profissionais, apesar de pouco conhecida e ainda em crescimento, é a de chefs corporativos. A indústria alimentícia aposta em profissionais de cozinha para dar mais credibilidade a seus produtos

22/02/2016

Profissão chef corporativo

Cerca de sete mil chefs de cozinha se formam todos os anos somente no Estado de São Paulo. O glamour da profissão e os programas de gastronomia atraem cada vez mais interessados em uma das áreas que mais crescem no Brasil. Porém, os grandes restaurantes não absorvem toda essa leva. Uma carreira abraçada por muitos profissionais, apesar de pouco conhecida e ainda em crescimento, é a de chefs corporativos. A indústria alimentícia aposta em profissionais de cozinha para dar mais credibilidade a seus produtos. “O interesse do aluno em seguir a carreira coorporativa está em crescimento. E o setor está contratando cada vez mais gastrônomos. É uma ótima alternativa e excelente oportunidade de entrar em uma empresa multinacional”, afirma Moacir Sobral, docente do curso de Gastronomia do Complexo Educacional FMU.


Para Gabriela Pestana, professora na Accademia Gastronomica, a questão nem é falta de demanda. Há uma grande expectativa em torno da carreira de chef de cozinha. “O que acontece, muitas vezes, por conta da super valorização da profissão, é que os formandos se deparam com uma realidade menos glamourosa da exibidas nos programas de TV ou nos filmes. Muitos esquecem das dificuldades de ser um chef de cozinha. É necessário abdicar muitas vezes da vida social, trabalhar seis dias por semana e aceitar um piso salarial baixo no começo da carreira. Em resumo, é uma profissão de dedicação completa”.

 
A remuneração inicial costuma decepcionar alunos, já que os cursos de gastronomia são caros, o que gera uma expectativa de ganhos a altura do investimento. “O estudante tem a necessidade de ter um poder aquisitivo alto, como o estudante de engenharia, direito, etc. Esse estudante acha que sairá do curso como chef de cozinha ganhando um bom salário e esquece que como em qualquer outra profissão deve iniciar por baixo, como estagiário ou copeiro. Muitos desistem logo ao entender o dia a dia de mais de 8 horas/dia, com uma folga por semana, trabalhando aos finais de semana e feriados, em um ambiente de 40 graus, em pé e sem qualquer glamour do título de chef de cozinha”, completa Marcelo Spiller, chef corporativo Nacional da Rational do Brasil.

 

 

Um chef de cozinha traz mais credibilidade para o produto e consegue identificar com facilidade a melhor solução para as necessidades do food service


Dia a dia

A rotina do meio corporativo pode não ser tão intensa como a de uma cozinha e oferece horários mais flexíveis, além dos benefícios e plano de carreira. “Habitualmente, os chefs de cozinhas comerciais trabalham nos fins de semana e chegam a ter jornadas de 12 a 16 horas diárias, sem falar do desgaste e pressão. A rotina de uma cozinha de restaurante não é nada fácil. Eu diria que é para poucos: longas jornadas em pé, calor de 60 graus, abdicação de fins de semana e feriados, a pressão da marcha dos pratos, gestão da brigada sob constante estresse, preocupação com custos de matéria prima, entre outros. No ambiente empresarial, apesar das metas e viagens profissionais, o ritmo de trabalho costuma ser bem menos estressante e intenso”, avalia Leticia Vilardo, chef de cozinha e consultora.


Em contrapartida, o foco não será a gastronomia, pois não estará sempre cozinhando e não irá trabalhar com produtos frescos comprados diretamente dos produtores. “A rotina no meio corporativo exige tanta responsabilidade quanto a de um chef de cozinha, pois se trata de uma ponte entre marketing e comercial, com necessidade de atingir resultados, que se traduzem em aumento de vendas. Dessa forma, não é de se surpreender que tenham atividades fora do horário comum de expediente por motivos de treinamentos, visitas à clientes e viagens para eventos”, ressalva Karen Ribeiro, chef consultora BRF.


Para seguir por este caminho, é importante ter uma visão mais global e desenvolver outras habilidades como línguas, técnicas de apresentação e informática. “É muito importante que o jovem tenha a percepção de que a experiência profissional é essencial. Há muita coisa por trás de um grande chef, muitas histórias, muitos mestres. Para quem busca um novo direcionamento profissional é importante estar sempre atualizado às novas tendências e novidades do mercado. Como a rotina é pesada, muitos chefs se isolam e deixam de estar atualizados, perdendo oportunidades profissionais no mercado corporativo. Outros se fecham em apenas um tipo de cozinha: francesa ou italiana, enquanto uma visão mais global é fundamental nesta área”, aconselha Leticia.

 

“Diria que é uma área fascinante, extremamente atrativa para quem ama viver sendo desafiado e buscando atingir metas e objetivos”

- Andrea Fabiana Rosas, gerente do Centro Técnico da Vigor Food Service


Profissão dinâmica e desafiante

Em geral, a profissão de chef corporativo proporciona salários melhores e uma carga horária mais tranquila. Porém, vale destacar que a escolha depende do perfil do chef. “Existem chefs que preferem a rotina árdua, porém prazerosa, de uma cozinha. Outros, procuram a estabilidade de uma empresa”, sublinha Gabriela Pestana. Quem está em busca de um trabalho dinâmico, para além da rotina de uma cozinha profissional, pode encontrar na indústria de alimentos e equipamentos uma carreira promissora e satisfatória, pois assumirá papéis distintos, sem rotina, um dia assume o lugar de degustador, outro de vendedor ou de marketing, e estará à frente de mudanças até mesmo nos hábitos de consumo que passam da alta gastronomia ao varejo, analisando o negócio como um todo por meio de experiências diretas com vários tipos de restaurantes. 


“Diria que é uma área fascinante, extremamente atrativa para quem ama viver sendo desafiado e buscando atingir metas e objetivos. É uma área que te impulsiona a buscar de forma permanente conhecimentos de distintas origens e exercitar o viés comercial sempre que entramos em um projeto. Sem dúvida é uma alternativa atrativa e desafiante, pois reúne as capacidades técnicas, habilidade de liderança, planejamento, criação de estratégia e também a preocupação ativa com geração de demanda. Aqui não falamos somente de fazer preparações, falamos, principalmente, em gerar negócios, que resultem nas melhores margens para a empresa”, define Andrea Fabiana Rosas, gerente do Centro Técnico da Vigor Food Service.

 

 

Salários mais atrativos


O investimento em uma faculdade de gastronomia gira em torno de 1.500 a 2.000. Estabelecimentos do food service pagam para profissionais em início de carreira valores mais baixos que as grandes empresas, que têm assegurado uma melhor remuneração, logicamente quando comparado com a média, não com profissionais de destaque ou em cargos altos. Gabriela Pestana diz que, no geral, iniciantes terão o mesmo salário inicial de um restaurante, o que pode valorizar são os benefícios, muitas vezes melhores, resultando em recebimentos de 20% a 30% maiores. Já Andrea Fabiana diz que os valores chegam a ser 50% maior que no mercado estritamente operacional. “Os vencimentos variam de acordo com a particularidade de cada empresa. Já tive conhecimento de programas de trainee em que os salários chegavam a R$ 3000,00 e cargos de chefe consultor de vendas com propostas acima de 5000,00. São diversas oportunidades nesta área”, destaca Moacir Sobral.

 

Vantagens para a indústria

A grande importância desse profissional para a empresa é que ele proporciona mais credibilidade, agregando valor e conhecimento técnico. “Diferente de um produto de consumo, designado ao consumidor final, a venda de produtos para food service é muito técnica, baseada em argumentos de aplicação, rendimento, tolerância a processos, desempenho técnico, enfim, argumentos mais técnicos que o profissional de gastronomia tem maior habilidade e transmite mais credibilidade”, ressalta Cecilia Ávila Martins, diretora de Food Service da Vigor, que é focada em seu canal food service e conta com os chefs de cozinha para fornecerem ideias de inovação, receitas, novas aplicações e material para trabalho de marketing, divulgando toda informação necessária ao profissional que trabalha com alimentação fora do lar.

 

A Rational também aposta e investe no desenvolvimento de chefs de cozinha. Além de um chef corporativo dedicado no Brasil em sua força comercial, a empresa conta com uma rede de chefs freelancer de mais de 30 profissionais que atuam em todo o território nacional, realizando feiras, eventos e treinamentos, e mais de 300 chefs no mundo trabalhando em diferentes processos, desde pesquisa e desenvolvimento a treinamentos e eventos. “É a empresa dos cozinheiros, para os cozinheiros. Os chefs conhecem as cozinhas e o mais essencial, as necessidades dos profissionais que trabalham dentro das cozinhas e conseguem identificar com facilidade a melhor solução para estas necessidades. Desta forma há a identificação e o conhecimento das atividades exercidas nas cozinhas”, explica Marcelo Spiller.

 

O chef de cozinha é o profissional que consegue traduzir as expectativas do consumidor para a indústria, pelo conhecimento que tem das necessidades de quem vai transformar o ingrediente no produto desejado. “É fundamental ter um gastrônomo dentro das empresas de food service, pois este profissional também é o comprador dos produtos disponíveis no mercado. Em grande parte dos restaurantes o próprio chef de cozinha é responsável pela escolha da marca e do tipo de mercadoria utilizado em seu local de trabalho. Por este motivo é interessante que as instituições tenham chefs de cozinha que desenvolvem e vendem produtos para gastrônomos que pensam em um público capacitado em sua mesma área de atuação”, acrescenta Moacir Sobral, professor do curso de Gastronomia da FMU.

 

A imagem de um gastrônomo fortalece ainda mais a imagem da mercadoria para a venda. De acordo com Gabriela Pestana, um olhar mais apurado de quem estudou a gastronomia permite a evolução dos setores de uma forma mais profissional. “Esse chef pode colaborar além do seu setor uma vez que entende da área toda. E o consumidor se sente mais seguro em comprar algo que um profissional julga bom”.

 

Karen Ribeiro

 

 

Karen Ribeiro, 28 anos, exerceu a Biomedicina por cinco anos até encontrar na cozinha algo que realmente a fazia feliz. Conclui então, em 2014, o curso de Gastronomia pelo Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto (SP), onde sua paixão pela comida e a busca por conhecimentos na área a fizeram entender a gastronomia como uma opção de trabalho. Assim que surgiu o Concurso Chef do Futuro, organizado pela BRF, enxergou como uma oportunidade de se inserir no universo gastronômico, buscando formas de melhorar pratos e aplicar novos ingredientes. Mesmo com pouca vivência em cozinha, desenvolveu um projeto com a visão direcionada para produção em indústria, mais especificamente food service. Em meio a tantos outros projetos, se destacou pela inovação, conquistando o primeiro lugar e uma viagem a Paris, onde fez um curso na reconhecida Le Cordon Bleu, além de estagiar com o time de chefs da BRF. 


“Me mudei para São Paulo e comecei a acompanhar o trabalho de consultoria e relacionamento com os clientes do grupo, e a cada dia fui aprendendo mais sobre o que é o food service e como eu poderia atuar. Me identifiquei bastante com a forma de trabalhar dos chefs consultores. Ainda em São Paulo, passei por uma vivência na cozinha do restaurante Arturito da Chef Paola Carosella, onde tive uma outra visão da função como chef de cozinha. Após o estágio e com a vivência nesse mercado, surgiu a oportunidade de fazer parte do time da BRF, e aqui estou, como chef consultora de São Paulo Interior, onde desempenho atividades que vão além de consultoria gastronômica como treinamentos para vendedores da companhia, parcerias com universidades, pesquisas de mercado, desenvolvimento de receitas e análises sensoriais em busca de melhoria constante de nossos produtos”.

 

Andrea Fabiana Rosas

 

 

Andrea Fabiana Rosas trabalha com alimentação há mais de 30 anos. Iniciou com um restaurante próprio que exigia muitas horas de dedicação e perda de energia, trazendo um resultado abaixo do esperado, inclusive porque estava instalada no interior do país, onde a comida caseira é muito valorizada. Seguindo o exemplo de seu pai, que trabalhou 38 anos na mesma corporação, Andrea, que já tinha uma atração pelas grandes organizações, aceitou o desafio de gerenciar uma loja do Mc Donald´s, na primeira leva de trainees dos anos 90. “A partir daí não parei mais com meu foco de me inserir neste mercado. Buscando conhecimento de todas as áreas que permeiam o negócio, acabei olhando o mercado do ponto de vista de marketing gerenciando a área no grupo Accor e, aos poucos, fui me apaixonando pelo segmento de tal forma que, após 12 anos no grupo, decidi sair para investir numa carreira, mesclada entre o olhar marqueteiro e o de gestão, embasada num aprofundamento operacional”.


Cursou gastronomia e foi trabalhar no Martin Berasategui, estrelado Michelin, e, quando retornou desta experiência inenarrável, como define, percebeu que seu coração estava realmente nas grandes corporações. Fez, então, uma pós-graduação em Gestão de Negócios e foi trabalhar na área de vendas da Nestlé. Em apenas quatro anos, e após cinco promoções na área de food service, finalmente assumiu a cadeira de Chef to Chef Manager. “Depois de sete anos de Nestlé, fui convidada a assumir o Gerenciamento Técnico da Vigor, o qual revitalizou a minha carreira, me dando a oportunidade de transformar um time de Consultores técnicos em Consultores de negócios”. 

 

Marcelo Spiller

 

"A empresa, salário, benefícios e a flexibilidade de horário foram os fatores determinantes para me tornar um chef corporativo”

- Marcelo Spiller, chef corporativo Nacional da Rational do Brasil

 

 

Logo após se formar em engenharia de alimentos, Marcelo Spiller foi para Barcelona fazer um curso de três meses na língua espanhola. Quando acabou o curso e o dinheiro, começou a buscar trabalho, pois queria ficar mais. Foi então que conseguiu um trabalho de copeiro em um bar restaurante de frente para a praia, onde permaneceu por oito meses. Ao voltar para o Brasil, fez o curso de Chef Internacional no Senac. 


Antes mesmo de se formar foi convidado por um amigo para ser o responsável pela cozinha do restaurante orgânico que iria abrir. “Desiludido com o status de trabalhar que nem louco e não ficar rico, desisti após um ano e com alguns amigos abri um serviço de catering. Mais maduro e com a certeza que não iria cometer os mesmos erros, resolvi abrir um restaurante mexicano e entendi que pior que ser responsável pela cozinha é ser empregador. Vendi dois anos depois e montei uma consultoria para a área.  Após três anos fui convidado para fazer parte do time Rational, empresa que já prestava serviço desde 2010. A empresa, salário, benefícios e a flexibilidade de horário foram os fatores determinantes para me tornar um chef corporativo”.

 

Letícia Vilardo

 

 

 

Letícia Vilardo iniciou sua carreira profissional na hotelaria há 16 anos. Na época havia chegado de uma temporada de imersão e estudos gastronômicos na Europa, precisamente na França e na Itália. Depois de um estágio em Roma, descobriu na gastronomia sua vocação. Retornando ao Brasil, por indicação de uma amiga foi convidada a trabalhar no “Le Saint Honoré”, restaurante de Paul Bocuse, localizado no extinto hotel Le Meridien do Rio de Janeiro, na época chefiado pelo prestigiado chef Pierre Landry. Em 2001, foi trabalhar no departamento de alimentos e bebidas do Hotel Copacabana Palace, assumindo uma função de supervisão, sendo responsável pela gestão da brigada de salão, atendimento e padrões de qualidade, e, em 2006, assumiu toda a gestão de alimentos e bebidas do Hotel Pestana, também no Rio de Janeiro.


“A formação em gastronomia adquirida na Europa somada à vivência gerencial estratégica me deram as ferramentas ideais para desenvolver trabalhos de consultoria para empresas e restaurantes e para pesquisar e divulgar novos produtos. Em meados de 2009 nasceu meu primeiro filho e, projetando a dificuldade de conciliar minha carreira com o tempo que gostaria de dedicar à família, me desliguei definitivamente dos hotéis para abrir minha própria empresa de consultoria na área de alimentos e bebidas”. Além de chef de cuisine e consultora, Leticia é historiadora, sommelier, especialista em azeites e uma das autoras do livro Alimentos Funcionais, publicado recentemente pela editora Pandorga, que quebra o paradigma de que alimentação saudável é ruim e sem graça. 

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