Empreender é a arte da superação
Para vencer no Brasil, o empreendedor precisa transpor as adversidades de um ambiente de negócio espinhoso
07/01/2015
O mestre João Guimarães Rosa escreveu que "viver é muito perigoso, porque aprender a viver é que é o viver mesmo". A profundidade contida nessa frase nos permite inúmeras reflexões sobre a maravilhosa aventura que é a vida. E também sobre a arte de empreender.
Com a maior humildade do mundo, tomo a liberdade de parafrasear Rosa para falar sobre o desafio que é ser empreendedor, especialmente no Brasil, país de grandes sertões - concretos ou intangíveis - capaz de nos colocar à prova a cada segundo. As palavras do autor de Grande Sertão: Veredas também nos ajudam a entender que, embora seja uma tarefa árdua, empreender é uma jornada libertadora, caso seja realizada com paixão, afinco e dedicação.
Criar uma empresa e fazê-la crescer não é moleza em nenhum país. No Brasil, no entanto, isso assume ares de saga quando pensamos nos obstáculos legais e burocráticos que o empresário precisa superar. Ainda assim, avançamos muito nos últimos anos.
Para dar uma ideia, o IBGE calculou que os pequenos empreendimentos representavam 21% dos negócios do PIB do País em 1985. Como não havia atualização desse índice, o Sebrae e a Fundação Getulio Vargas resolveram, utilizando a mesma metodologia, avaliar a evolução do setor. Dessa forma, registraram que, em 2001, o percentual subiu para 23,2% e, em 2011, para 27% – ou seja, mais de um quarto do PIB brasileiro é gerado pelas pequenas empresas.
Como também demonstra o estudo, as PMEs já são as principais geradoras de riqueza no come?rcio no Brasil (53,4% do PIB desse setor). No faturamento da indu?stria, a fatia das micro e pequenas (22,5%) se aproxima das me?dias empresas (24,5%). E, no setor de servic?os, mais de um terc?o da produc?a?o nacional (36,3%) se origina nos pequenos nego?cios.
Esses dados demonstram que os empreendedores brasileiros são, acima de qualquer coisa, uns fortes, parafraseando desta vez Euclides da Cunha, outro grande nome de nossa literatura. Afinal, teimosamente conseguimos superar as adversidades de um ambiente de negócio espinhoso e conquistar espaço na economia nacional. Não é para qualquer um.
O avanço das PMEs não deve encobrir os problemas que ainda existem. O poder público, especialmente, mas não exclusivamente, precisa oferecer soluções que facilitem o desenvolvimento dos negócios. Para que se entenda bem a complexidade do tema, hoje a taxa de mortalidade das empresas no período de dois anos, no Brasil, é de 70%.
Muitos dos obstáculos principais já são bem conhecidos: sistema tributário complexo e oneroso demais, burocracia excessiva para abertura e fechamento de empresas, infraestrutura deficiente (logística, telecomunicações, internet) e dificuldade de acesso ao capital, apenas para citar alguns casos.
Como se não bastasse, hoje os empreendedores são obrigados a gastar cerca de 2,6 mil horas para pagar impostos, de acordo com o relatório do Doing Business. Em um mercado disputado palmo a palmo, tudo o que os empresários mais desejam é perder menos tempo com a burocracia para, assim, se dedicarem mais à operação e aos negócios.
Para que o Brasil tenha uma economia mais dinâmica e consistente, é crucial que o governo crie ações concretas para melhorar o ambiente de negócios e, ao mesmo tempo, capacitar novos empreendedores. A Endeavor Brasil, entidade de fomento ao empreendedorismo da qual sou conselheiro, defende algumas propostas nesse sentido. Entre as quais estão:
1. Impostos, burocracia e regras trabalhistas
- Simplificação do processo de pagamento de impostos por meio do uso da tecnologia. Essa boa prática, disponível para as empresas optantes pelo Simples, deveria ser replicada a todas as demais organizações;
- Novas regras de transição do Simples, criando faixas (pequenos degraus) para empresas com até R$ 10 milhões de faturamento anual;
- Execução de programas voltados à redução do tempo de abertura e fechamento de empresas e obtenção de licenças;
- Regularização da situação fiscal imediatamente após o pagamento de impostos devidos;
- Flexibilização das regras de contratação de executivos pelas PMEs;
2. Educação e capacitação
- Introdução do tema empreendedorismo nas diretrizes nacionais de educação profissional e superior;
- Criação de um programa nacional de reciclagem de professores de ensino superior para que se tornem agentes de formação de novos empreendedores;
- Fortalecimento de programas de aceleração de empreendedores baseados em critérios de desempenho, com acesso a mentores, capital e recursos públicos;
- Incentivo à dedução dos gastos feitos com treinamento e desenvolvimento de funcionários no imposto devido pelas empresas.
Se aplicadas, medidas como essas vão livrar o empreendedor das amarras e facilitarão seu crescimento. Será um primeiro passo para que sua vida se torne menos perigosa do ponto de vista burocrático, tributário e administrativo, permitindo assim que ele se concentre mais naquilo que realmente importa: a realização do sonho de ter uma empresa forte e próspera.
(Por Romero Rodrigues, para PEGN)