A hora e a vez das cervejas artesanais
O mercado de cervejas especiais cresce de 20% a 30% ao ano e conquista cada vez mais um público qualificado, gerando novas oportunidades de negócios. Conheça as opções de atuação neste mercado, os tipos de bebidas e seu processo de fabricação
30/04/2015
A cerveja é a segunda bebida mais consumida no mundo e a número um no Brasil, presença indispensável em qualquer evento. O brasileiro consome em média 62 litros por ano, ocupando a 17ª posição no ranking mundial, que tem a República Tcheca em primeiro lugar, com 143 litros per capita, seguida da Áustria, Alemanha e Irlanda.
O Brasil é o 3º maior produtor de cerveja do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China, com fabricação anual, entre grandes, pequenas e microcervejarias, de 13,4 bilhões de litros, um mercado que cresceu 64% em uma década, segundo dados do Sicobe (Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Federal). De acordo com Carlo Enrico Bressiani, diretor geral do Grupo IADE e da Escola Superior de Cerveja e Malte, as cervejarias artesanais representam 0,8% deste mercado em volume de produção. Quanto ao faturamento, elas correspondem a cerca de 2,5%.
O mercado de cervejas artesanais deslanchou nos últimos dez anos e se firmou como tendência há mais ou menos quatro anos, com um crescimento de 20% a 30% ao ano e faturamento anual de aproximadamente R$ 2 bilhões, segundo a Abracerva (Associação Brasileira de Microcervejarias).
O último levantamento computa 242 microcervejarias no País, mas estima-se que esse número já seja maior, em torno de 350. “Os Estados Unidos ganhou 2.428 cervejarias em 30 anos. A expectativa é que o Brasil, em 20 anos, tenha 2.500, um potencial de crescimento ainda maior”, avalia Luiz Vicente Mendes, diretor da feira Brasil Bier. “O mercado de cervejas artesanais representam 20% do volume total produzido nos Estados Unidos e mais de 10% na Europa. Ainda há muito espaço para crescer”, acrescenta Bressiani.
Para o diretor da feira Brasil Bier, o mercado de cerveja artesanal cresce mais que o mercado de cerveja comum porque há uma tendência de fazer harmonização com comidas. “A cerveja é mais elástica que o próprio vinho, é possível combiná-la com qualquer prato, doce ou salgado”, afirma.
A maior parte dos consumidores de cerveja artesanal são homens de 20 a 40 anos, com nível superior completo ou em formação e classe média a alta. 15% são mulheres, porcentagem que vem crescendo. Gastam em média R$230/mês e para 70% a qualidade é o motivo da compra. “O consumidor está pedindo alternativas, quer experimentar novas sensações, novos produtos, e tem consciência de pagar mais por algo diferenciado”, ressalta Mendes.
Cerveja Gourmet
A cerveja artesanal se difere da comum pelo grande cuidado em todo o processo produtivo, com uma preocupação maior na hora da fabricação por parte do cervejeiro, desde a escolha das diversas possibilidades de estilos, sabores e aromas até do nome e rótulo. Uma das formas de se classificar a cerveja é pelo seu tipo de fermentação. Há três grandes grupos: Larger - baixa fermentação, Ale - alta fermentação e híbridas- de fermentação espontânea ou com mais de um tipo de levedura, conforme explica Julia Reis, sommelier e sócia da Escola Sinnatra. “O Brasil sempre foi conhecido pela larger de boteco. Estão na moda hoje a Ale e a India Pale Ale. O mercado brasileiro reflete mais o americano e tende a seguir as tendências internacionais”.
Escolas
Afonso Landini, da Arte Brew Cerveja Artesanal, conta que atualmente existem cerca de 120 estilos de cervejas no mundo. Algumas delas são a alemã, que preza pela tradição e pela Lei de Pureza, na qual somente são utilizados malte, água, lúpulo e fermento na composição. Já a Belga é mais livre e usa diversas especiarias nas suas cervejas. Na Inglesa, a carbonatação das cervejas é levemente inferior e os lúpulos utilizados são de aromas que lembram terra. A mais utiliza no Brasil é a linha americana, caracteriza pelos extremos, tanto em álcool como em amargor. Os cervejeiros buscam sempre mais e mais novidades, onde sair da tradição é o lema. O Brasil é um mercado novo e inspirado principalmente nos Estados Unidos. “Se é que já existe a escola do Brasil, o que podemos avaliar neste momento é que o uso de plantas, frutas e ervas brasileiras é algo muito intenso”, sugere Landini.
Luiz Vicente Mendes, diretor da feira Brasil Bier, também diz que a americana é a que está mais em voga. “A diferença está no tipo de lúpulo, essências e aromas. Mais ou menos lúpulo, amargor e sabores, espessura e consistência do líquido. Cada escola tem uma característica”. Para ele, a boa cerveja é aquela que possui um equilíbrio entretodos os componentes, o que é chamado de drinkability. “Quando a cerveja desce redonda você sente que ela é gostosa e quer tomar mais. Tem um equilíbrio entre o amargor, malte e especiarias. Tem que ser agradável”, destaca.
Opções de negócio
Há algumas frentes de atuação no mercado de cervejas artesanais: microcervejaria, Beer Pub, bares especializados e franquia de lojas revendedoras, ou atuar como sommelier prestando consultoria para cervejarias, bares e restaurantes. Para qualquer que seja o objetivo, além dos aspectos gerenciais do negócio, é necessário conhecer bem o produto, buscar associações, produtores da região, eventos setorizados, clubes de cervejas, etc. Também deve levar em conta o aporte disponível e a expectativa de retorno. “A microcervejaria é mais comum, mas o investimento é de no mínimo um milhão, pois os equipamentos são caros. Já o Beer Pub é uma cervejaria menor que produz e vende ali mesmo. O investimento depende do mercado, da cidade. Ele é um pouco menor, mas não tem a flexibilidade de engarrafar para vender, porque não é caracterizado como indústria. Em um bar especializado o investimento é menor”, explica Júlia Reis.
- O primeiro passo é a produção do malte, a partir dos grãos de cereais como cevada, trigo e centeio. Para germinar os grãos, eles são umedecidos, e assim que o processo inicia, são secos e torrados. Quanto mais tostado, mais escura será a cerveja. Além da cor da cerveja, é o malte que também define os aromas e sabores. O gosto de café ou chocolate, por exemplo, é proveniente do malte mais tostado, mesmo sem a adição de essência.
- A segunda etapa consiste em fazer a moagem do malte, quando é retirada sua casca.
- Em seguida, é feita a brassagem ou mosturação, que é o cozimento do malte para extrair os açúcares necessários à fermentação da cerveja. Este é colocado em uma panela de mostura, a temperatura controlada, para melhor quebrar o amido dos açúcares.
- Na clarificação o objetivo é a acelerar a sedimentação do fermento e outros resíduos sólidos, através de várias técnicas, a afim de tirar a opacidade e deixar o líquido cristalino.
- Depois do mosto clarificado e sem cascas, ele é fervido, quando evaporam substâncias indesejadas e é adicionado o lúpulo para eliminar qualquer bactéria ou microorganismo. O lúpulo confere o amargor, equilibrando o doce do malte, e funciona como conservante natural.
- Na sequência, o líquido é resfriado para adicionar a levedura, que irá consumir os açucares e produzir álcool e gás carbônico. É necessário pelo menos uma semana para fermentar.
- A cerveja é maturada, resfriada e transferida para tanques onde é mantida por até 30 dias. Esta etapa é opcional e nela ocorre o amadurecimento dos compostos responsáveis pelo aroma e sabor, além de auxiliar na clarificação. Durante a maturação pode ser colocado mais lúpulo, aumentando o amargor.
- Na pausterização, que também é opcional, a cerveja é aquecida até determinada temperatura bem lentamente, matando microorganismos ainda presentes para a cerveja durar mais tempo. Geralmente é necessária em caso de engarrafamento, pois tira um pouco do frescor da cerveja.
Como elaborar uma carta de cerveja
É um diferencial para um bar ou restaurante ter uma carta de cervejas. Para elaborá-la, o ideal é consultar um sommelier, que poderá analisar seu público, ticket médio, tipos de pratos que oferece para pensar nas harmonizações e treinar a equipe para atender corretamente e tirar as dúvidas dos clientes. “Uma carta de cervejas deve atender o seu cliente e tentar, de forma prudente, ousar para que o público sempre busque experimentações”, diz Carlo Enrico Bressiani.
A sommelier Julia Reis sugere contratar um especialista pelo menos para a elaboração da carta de cervejas e, se necessário, nos horários de maior movimento da casa. O sommelier pode auxiliar o empreendedor, dar suporte e entender as falhas e acertos. “Uma outra opção é contratar a consultoria para formar um funcionário da casa, que irá liderar futuramente. É importante ter alguém com conhecimento para tirar dúvidas de clientes quanto aos diferentes sabores, que às vezes podem até causa estranheza, pois é um mercado novo”.