Boom de delivery por aplicativos fomenta restaurantes virtuais e coworking de cozinha

Empresas apostam em marcas e centros de distribuição só para entregas

16/10/2019

Boom de delivery por aplicativos fomenta restaurantes virtuais e coworking de cozinha

O crescimento dos serviços de entrega de alimentos por aplicativo tem fomentado novos modelos de negócio como coworking de cozinha, restaurantes digitais e centros de distribuição. Segundo pesquisa do Instituto de Foodservice Brasil (IFB), o delivery aumentou 23% entre 2017 e 2018 no país. Até o final de 2018, quase metade do tráfego em restaurantes foi de pessoas que comiam fora do local —a maioria, 40%, passam e buscam a comida “para viagem” e 8% pedem por delivery. “As pessoas estão comendo fora do restaurante por conveniência, por falta de tempo, porque querem comer no trabalho, então quanto mais canais de venda o restaurante tiver, melhor”, diz a diretora executiva do IFB, Ingrid Devisate.

 

O presidente da Asbrasel em São Paulo, Percival Maricato, diz que o delivery é uma tendência mundial. “É um segmento que cresce exponencialmente” O iFood, por exemplo, mais do que dobrou o número de pedidos: passou de 8,5 milhões no mês de julho de 2018 para 20 milhões no mesmo mês de 2019. E o número de restaurantes cadastrados saltou de 50 mil, em 2018, para 100 mil em julho de 2019. Os restaurantes virtuais são uma das maiores tendências do mercado de delivery no mundo, segundo o Uber Eats. Estabelecimentos desse tipo cadastrados no app passaram de 1.600 em janeiro para 5 mil em setembro, em 36 países.

 

Aproveitando a expansão do setor no Brasil, o Uber Eats procurou a arquiteta Diris Petribu, dona de um coworking de cozinhas voltado para empreendedores, para criar um espaço só para delivery. A empresária comprou um terreno em Pedizes, na zona oeste de São Paulo, e inaugurou em maio o Hub Ck —abreviação de cloud kitchen, que são cozinhas voltadas apenas para delivery, também conhecidas como restaurante virtual ou dark kitchen. Os restaurantes que ocupam os espaços pagam aluguel de R$ 8 mil a R$ 18 mil mensais.

 


As nove cozinhas do local são estreitas, entre 15m² a 30m² cada, e ficam dispostas ao longo de um corredor da casa. Cada uma tem uma janela que permite a entrega para os motoboys. Cinco estão alugadas e as outras, em negociação. “O Uber Eats me envia uma seleção de empresas, e eu escolho a melhor proposta. O bom é que eu tenho clientes garantidos”, diz Petribu.

 

O Hub oferece todos os eletrodomésticos e móveis para cozinha, que podem ser personalizados de acordo com as necessidades do cliente, e manutenção de equipamentos, limpeza e segurança. Segundo Petribu, cada restaurante no Hub tem seu próprio alvará sanitário. O Uber Eats, com parte da parceria, se encarregou de reformar um anexo do terreno, que será usado como área de apoio para os motoboys. Há um espaço para estacionamento e ambientes fechados com banheiro, bancos, microondas, internet e televisão. Uma equipe da empresa também ficará presente ali para dar suporte e atender os entregadores.

 

A inauguração do anexo, prevista para outubro, é bem vista pelos motoboys. “Saio de manhã cedo e só volto depois das 23h, geralmente almoço em uma praça, então ter um lugar para dar uma descansada e esquentar a marmita ajuda muito”, diz Artur Marques, 29, que trabalha com entregas para vários aplicativos. Ele afirma que o modelo do Hub facilita seu trabalho, porque os restaurantes ficam concentrados em uma região de grande demanda, e as viagens são mais curtas. O motoboy Luiz Barbosa, 30, também comemora a área de apoio. “A gente fica o dia todo na rua e não tem banheiro, precisa ir em shopping”, conta.

 

O novo espaço também é aguardado com ansiedade pelos vizinhos, já que, em horários de pico, as motos ficam estacionadas na calçada e no acostamento da rua, diante do Hub. “Teve dia que eu contei quase 80 motos de uma vez”, afirma Petribu. O funcionário da empresa ao lado, Antonio Alberto, 61, reclama. “Eles fazem xixi no meu jardim e ficam bloqueando a garagem. É uma bagunça.” No prédio da frente, o zelador Damião dos Santos, 45, diz que os moradores se incomodam também com o barulho das motos. “Acho que vai melhorar quando o espaço de convivência for aberto", afirma. Petribu garante que sim.

 

 

Um dos inquilinos do Hub, o empresário Rafael Cohen, foi convidado pelo aplicativo para criar restaurantes virtuais no local. Em menos de seis meses, inaugurou nove marcas só para delivery no Hub CK. O desenvolvimento do cardápio foi assessorado pela Uber, com base na análise de dados dos consumidores da região cadastrados no aplicativo. Mesmo com a alta demanda, apenas três marcas sobreviveram. “Há um risco de volume ocioso. Uma cozinha delivery custa menos para abrir do que um restaurante normal, mas você perde muito do faturamento com a taxa de entrega [dos aplicativos] e a embalagem. Só o tempo vai dizer se vale a pena”, afirma.

 

A taxa cobrada pelos aplicativos de delivery pode variar entre 7% a 30% do valor do pedido, de acordo com empresários ouvidos pela Folha. Em geral, é mais baixa se a plataforma faz apenas a mediação do pedido e mais alta quando o aplicativo se encarrega da logística da entrega. Segundo pessoas do ramo, para que seja economicamente vantajoso, o negócio precisa ter um grande volume de vendas. O sushi1, restaurante digital de comida japonesa, é um dos cases de sucesso. Com sushis a R$ 1, cada restaurante chega a receber 700 pedidos diários.

 

Um dos sócios, Marco Misasi, é relações públicas e trabalhou na criação do iFood, onde percebeu um setor em ascensão. “Quando desenvolvemos o restaurante, o sushi mais barato no mercado custava R$ 2,80 a unidade. Fizemos as contas e vimos que conseguiríamos cobrar bem menos”, afirma Misasi. Ele explica que o preço baixo é fruto da economia nos custos fixos. Cada cozinha da marca conta com quatro máquinas que cortam os peixes, preparam os enrolados (os roll’s) e os niguiris e embalam as entregas. Para operá-las e fazer a limpeza, são 20 funcionários por restaurante.

 

Os sócios pretendem abrir mais duas unidades em São Paulo, com espaços voltados ao walk thru, nos quais clientes fazem seus pedidos e os retiram para viagem, sem local para consumo. A rede vai inaugurar neste ano unidades em Curitiba, Rio, Cidade do México e Nova York.



Outro empresário que apostou nas dark kitchens é o criador da rede Burger Lab, Jorge Boratto, que decidiu abrir outra marca em fevereiro, uma “hamburgueria virtual low cost”. A Burger X vende só para delivery pelo aplicativo da Rappi e oferece apenas três opções de hambúrgueres, com preço fixo de R$ 10. Desde o lançamento, Boratto já abriu outras duas lojas da marca em São Paulo e planeja lançar unidades em Belo Horizonte, Curitiba, Rio, Recife e Fortaleza até março de 2020.


Segundo ele, é preciso ter muito capital de giro, porque ele paga os fornecedores, mas só recebe do aplicativo 45 dias depois. Além disso, Boratto diz que tem vantagens para negociar o preço com os fornecedores, porque compra um volume grande para a sua rede Burger Lab. “Por isso consigo fazer um hambúrguer de muita qualidade por R$ 10. Na verdade é complicadíssimo, porque você precisa ter uma rede de hambúrgueres antes”, afirma. Boratto ressalta que um restaurante virtual requer um investimento inicial menor, tem um aluguel mais baixo e não há custos com garçons, mobília, louça, talheres e estoque para bar.



“Para ter um restaurante bacana precisa estar em uma rua badalada. Já a cozinha da Burguer X não precisa da visibilidade comercial do ponto, elas estão estrategicamente posicionadas de acordo com o mapa de calor da Rappi. Eles dizem se uma região está com muita demanda, e a gente coloca a cozinha no centro”, explica. Outra vantagem, segundo ele, é a velocidade de atendimento no modelo só para entrega. “Quando você opera salão e delivery no mesmo espaço, um atrapalha o outro”. Já a cozinha do restaurante virtual é pensada para o fluxo de entrega, o que facilita o processo.

 

Boratto afirma, entretanto, que os custos com a logística, as taxas do aplicativo e as embalagens são muito altos. “Normalmente o delivery custa mais caro que o salão, a margem de lucro é menor”, diz. O turco Ali Sipahi, dono de três restaurantes em São Paulo, concorda que o delivery só funciona quando há muito volume de vendas. Ele abriu um restaurante tradicional em 2017 e, desde então, investiu em duas unidades só para entrega. “Quando começamos com os aplicativos, em 2017, o delivery representava 30% do nosso faturamento. Hoje é duas vezes maior que o faturamento do salão”, diz. Mesmo com as taxas dos aplicativos, ele prefere que seus clientes peçam pela internet do que por telefone. “Demora muito para explicar todos os pratos e bebidas”, justifica.

 

Para driblar a dependência dos aplicativos, ele mantém entregadores freelancers em seus restaurantes. “Quando tem muito trânsito, chove ou tem muita demanda, os motoboys dos aplicativos demoram muito para chegar na loja. Então por segurança mantemos alguns aqui”, conta. O Cabana Burger, rede com uma unidade exclusiva para delivery, também adota a mesma tática, ao combinar motoboys próprios e dos aplicativos. A gerente de Marketing da hamburgueria, Géssica Morandi, aponta que as novas embalagens também contribuíram para um avanço do delivery, porque permitem manter a qualidade do produto durante o transporte. “Por exemplo, se você não colocar em uma embalagem adequada, térmica, o hambúrguer continua a cozinhar durante o transporte. Se o cliente pede ao ponto, vai chegar bem passado”, diz.



Outro modelo de negócio são os centros de distribuição de alimentos e produtos. A empresa Delivery Center tem 20 centrais localizadas em shoppings de São Paulo, Rio e Porto Alegre. Nesses hubs, a empresa tem equipes que buscam o produto nas lojas e motoboys fixos que fazem a entrega —é possível fazer o pedido pelos aplicativos, mas é a Delivery Center que faz a logística. A empresa tem ainda o que eles chamam de dark mall, em Porto Alegre, com 27 dark kitchens e unidades voltadas para outros negócios, como papelarias, no mesmo formato. A Delivery Center pretende abrir mais de 300 dark kitchens até 2021 e dois dark malls, no Rio e em São Paulo.

 

A sócia-fundadora e diretora de estratégia, Cristiane Mendes, diz que os hubs urbanos representam “um ganho logístico enorme” e, no modelo da Delivery Center, restaurantes virtuais têm gastos menores do que os tradicionais. “O custo operacional é duas a três vezes menor.” A empresa, que tem sócios como Cyrela, brMalls e Multiplan, planeja criar centros de distribuição em prédios comerciais. “No horário do almoço, fica aquela fila de motoboys na recepção, então queremos ter hubs na portaria para fazer esse serviço de distribuição”.

 

 

Microempreendedores



O boom dos aplicativos de delivery também atraiu os pequenos empreendedores que, muitas vezes, trabalham de casa. De acordo com dados da Receita Federal disponibilizados ao Sebrae, há 1,15 milhão de Microempreendedores Individuais (MEI) que trabalham nas principais atividades econômicas relacionadas à alimentação, um salto de 98% em comparação a 2014. Uma delas, o “fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar”, que concentra muitos dos MEIs voltados para delivery, cresceu 122% em cinco anos e reúne mais de 200 mil empreendedores. A proliferação de MEIs que usam aplicativos para entrega preocupa empresas do setor, porque, segundo fontes ouvidas pela Folha, há pouco controle sobre as condições de higiene desses negócios. Devisate, do IFB, afirma que nos restaurantes com salão é possível entrar na cozinha e ter uma noção, pelo ambiente, das condições de higiene, o que não ocorre com o delivery. “Empresas bem estabelecidas são obrigadas a ter várias certificações de segurança alimentar. Já dentro da casa da pessoa, a gente não sabe se o produto tem boa procedência e qualidade, essa é uma preocupação”, diz. “Tememos que surjam empresas que não são confiáveis, como essas de fundo de quintal que fazem delivery”, afirma Maricato, da Abrasel.

 

O supervisor de fiscalização do Procon-SP, Bruno Stroebel, diz que o consumidor deve pesquisar se há reclamações contra a empresa na internet e sempre fazer as avaliações do serviço nos aplicativos. “Isso é importante até para os outros usuários terem um parâmetro de qualidade. Além disso, o cliente deve reclamar também para os aplicativos, porque eles têm responsabilidade solidária em qualquer tipo de problema". Sobre a questão, Uber Eats disse em nota que cobra do restaurante “que esteja em conformidade com exigências legais, fiscais e sanitárias, que são verificadas no momento do cadastro”. O iFood diz que o restaurante parceiro precisa “possuir CNPJ e documentação que comprove a total regularidade do seu estabelecimento com as leis”.

Fonte: Folha de S.Paulo

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